sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Dura realidade

Muitas vezes, em tom de brincadeira, os jornalistas dizem entre si, sobretudo na silly season, «era tão bom que se desse para aí um crimezinho ou um incêndiozito para termos notícia». Funciona um pouco como ‘piada interna’, em alturas em que se repetem os temas possíveis para realizar reportagens, abrir noticiários ou fazer capas de jornais.
E eis senão quando a realidade nos bate de frente no rosto.
Uma informação, alguns telefonemas, e a notícia que ninguém queria dar: um triplo homicídio aqui mesmo na nossa área de abrangência noticiosa.
Depois de algumas informações dispersas, do primeiro impacto de uma notícia que nos horroriza, vem uma interrogação: ‘será alguém que conheço’?
E a ânsia de obter mais dados, de saber nomes, locais, com a noção de que, mesmo que não seja pessoa que conheçamos, será sempre o filho, o familiar, o amigo, o colega de alguém que vai sofrer com a notícia que nos apressamos a dar.
E ainda é pior quando o acontecimento se passa com alguém que conhecemos, mesmo que remotamente. Há que apelar a toda a frieza que sempre nos disseram ser absolutamente necessária para estar nesta profissão.
Após a notícia do acto, tresloucado e sem explicação, embora não nos caiba a nós fazer essas classificações, cabe obter mais informações, e se possível, como ensinam os manuais, dar uma versão diferente da notícia.
E no caso que refiro, houve um bom e um mau exemplo, do meu ponto de vista.
Um diário nacional, centenário, apresentou uma reportagem tocante, feita do ponto de vista dos jornalistas que chegaram ao posto territorial da GNR da Quinta do Conde, poucas horas depois do acontecimento.
O ponto de vista de quem, do lado de fora, assistia a uma dor profunda, às lágrimas contidas, à voz embargada dos que tentavam lidar com uma situação para a qual nenhum treino militar os prepara. A perda de um camarada em serviço.
Do outro lado do espectro, um outro diário nacional, que nos habitou já a uma visão «diferente» dos acontecimentos, a fazer ligando o homicida a um familiar que obteve alguns momentos de fama num reality show.
Pior do que o jornalismo do copy past, que se vê hoje muito por aí, é este debitar de dados, de uma grosseria a toda a prova.
Três pessoas assassinadas, quatro famílias destruídas, dor e revolta, e o que interessa para este jornal, é o parentesco do homicida com alguém remotamente famoso…

Não, isto não é, nem nunca será jornalismo.