sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Os tiranetes


No seguimento da minha crónica da passada semana, sobre o jornalismo e publicidade, vem a propósito o seguinte caso que me relataram.   
Um jornalista meu conhecido aqui no distrito de Setúbal, estando presente num evento, foi abordado por um edil que lhe EXIGIU a realização de uma peça sobre determinado assunto. Um assunto que “metia” questões políticas. 
Perante a recusa de acatar tal “ordem”, eis que das palavras se passaram às ameaças directas. Conhecendo o profissional em questão, tenho a certeza que o “valentão” terá levado que contar.  
No entanto, se este tipo de atitude espanta o leitor, tenho a dizer-lhe que embora não sejam frequentes, este tipo de atitudes é algo perante o qual qualquer jornalista, sobretudo os que trabalham ao nível do jornalismo regional, já se viu confrontado. 
Há quem não tenha o discernimento suficiente para separar algum tipo de familiaridade que se vai criando ao longo dos tempos e no decurso de muitas iniciativas onde se repetem as mesmas caras. Consideram que um cumprimento, um sorriso ou até alguma conversa mais informal durante o tempo que se espera o início de algo ou num intervalo de uma iniciativa, são suficiente incentivo para passarem a pôr e dispor do jornalista e do meio que este representa. 
É óbvio que existe algum tipo de simbiose entre jornalistas e representantes de entidades ou partidos políticos. São as tais «fontes» de que já falei. 
São a elas que recorremos para obter determinada informação, esclarecimento ou até o «furo noticioso». E é claro que muitas das vezes, quem presta essa informação, quer algo em troca.  
Claro que é também perfeitamente natural que os eleitos políticos enviem determinado tipo de informação para um órgão de comunicação social e esperem que o mesmo tenha o tratamento jornalístico apropriado e a respectiva divulgação. 
Ou que numa conversa, se lance um tópico que pode (ou não) vir a ser abordado jornalisticamente.  
O que não se espera nem se pode admitir, são as atitudes de ameaça perante os jornalistas e órgãos de comunicação que se recusam a tratar a notícia da tal forma publicitária como desejariam.  
Infelizmente, se por um lado o jornalista enfrenta na maior parte dos seus dias aqueles que tentam a todo o custo calar quem transmite à população assuntos que preferiram ver fechados a sete chaves, por outro tem de lidar com os tiranetes, que julgando-se acima de qualquer moralidade, se acham no direito de exigir aquilo a que nunca tiveram ou terão direito. 

sábado, 25 de outubro de 2014

Jornalismo ou publicidade


 
George Orwell dizia que «jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade».
Como é óbvio, dificilmente nos dias de hoje, um meio de comunicação social consegue manter as suas páginas ou o seu tempo de emissão, apenas com as tais reportagens que podem realmente vir a «beliscar» alguém.
É muito dispendioso manter equipas de reportagem apenas para o tal jornalismo de investigação, embora isso tenha sido algo que já fez parte das redacções de grandes títulos da imprensa nacional, mas que foi descartado devido à fome mercantilista.
É por isso que cada vez mais os chamados «fait-divers» saltam das últimas páginas para outras mais visíveis ou ocupam um espaço maior nos noticiários.
No entanto, por outro lado, tendo em conta todos os meios ao dispor de um jornalista actualmente, já não é necessário a uma redacção ter um piso inteiro com uma equipa de repórteres, aguardando expectantes junto da máquina de fax ou ao computador, prontos a sair para a rua e/ou a passarem horas atrás de um «furo».
O «jornalismo do cidadão» e a crescente consciência de cidadania e dos meios disponíveis para praticar essa cidadania, são muitas vezes tudo o que é preciso para um verdadeiro jornalista fazer o seu trabalho sem muito esforço.
E muito temos a agradecer ao fenómeno do século XXI, as redes sociais. Creio que já falei por aqui no papel positivo e negativo que estas apresentam na nossa sociedade, mas nunca é demais frisar que podem ser um perigo quando utilizadas por cobardes ou gente malformada. No entanto podem, e são-no na maioria das vezes, o meio mais directo e rápido para ajudar, para resolver situações, para alertar e para denunciar.
Vou dar um exemplo prático, muito recente e do qual se calhar a maioria das pessoas que lê estas linhas hoje, já se deram conta.
O aumento da quantidade de lixo nas ruas que tem vindo a ser sentida um pouco por todo o distrito. Como é óbvio, antes de ser jornalista, sou cidadã e munícipe e por isso também reparo nessa acumulação.
Mas também me chama a atenção os alertas nos grupos a que pertenço, dos amigos da minha área de residência, que denunciam sobretudo com fotografias.
A mim, enquanto jornalista, cabe-me então inquirir quem de direito sobre o assunto, sobretudo se os outros cidadãos não obtêm resposta através dos mesmos meios que usam para denunciar.
Essa é a notícia que alguns podem não querer que se publique, uma vez que não ficam tão bem na fotografia. Mas esse é o papel do jornalista.
O resto, a reportagem da inauguração, da conferência, do aniversário, não passam de publicidade, que embora necessária, é o único tipo de jornalismo com que alguns poderes instituídos conseguem conviver.
O jornalismo que não belisca, que não aprofunda, que apresenta tudo à luz cor-de-rosa de um universo perfeito, é acarinhado por esses poderes instituídos. O outro, o verdadeiro, o que investiva, que interroga, que não deixa cair no esquecimento, é visto com maus olhos, sendo imenso o esforço feito para o denegrir, mais não seja convencendo os fiéis seguidores dos poderes instituídos de que nem para esse meio devem olhar, ler ou ouvir.
Por isso, e por hoje, termino com mais uma frase de George Orwell «Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir».

P.S. - Mais uma das minhas crónicas para o Diário do Distrito.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Amnésias


Não sei se já falei nestas crónicas sobre a falta de memória. É que isto com a idade…
Mas a questão da memória, ou melhor, de certas amnésias, é um tema que tem vindo muito a lume recentemente na comunicação social.
E se há temas que toda a gente da comunicação social adora agarrar, explorar e esmiuçar até ao mais ínfimo pormenor, (por vezes até chamamos a essas notícias um «rebuçadinho»), são estas questões, e melhor ainda se for com alguém que nesse momento está no pico do desagrado do público.
Recordo um dos casos mais recentes, o da alegada falta de memória de Pedro Passos Coelho sobre os seus serviços à Tecnoforma.
Capas, paragonas, litros e litros de tinta sobre o assunto, informações mais ou menos secretas, testemunhos de colegas, e até ameaças por parte dos responsáveis da empresa sobre quem se pronunciasse acerca desta.
Para muita comunicação social isto foi mais do que um «rebuçadinho», foi um autêntico saco de caramelos, daqueles Logroño que antigamente se compravam nas excursões a Badajoz.
A falta de memória parece ser a melhor desculpa para muitas pessoas, sobretudo políticos. Lembram-se de Aníbal Cavaco Silva afirmar que não se recordava de como foi feita a permuta da sua casa no Algarve?
Ou de José Sócrates não se recordar do tema do seu trabalho final na Universidade Independente?
Ou de o antigo ministro da Educação, Roberto Carneiro, não se recordar se, enquanto exerceu funções entre 1987 e 1991, contratou algum grupo de trabalho remunerado com profissionais exteriores à Função Pública, no julgamento de Maria de Lurdes Rodrigues, antiga ministra da Educação?
E são essas recordações que a comunicação social se empenha em trazer à luz do dia. Em apontar e recordar a quem de direito que não estão a salvo das luzes inquisidoras da opinião pública e do rebuscamento de arquivos poeirentos por parte dos jornalistas.
São as recordações que muito agradam aos leitores e, sobretudo, à oposição política do visado.
Este problema de amnésia parece ser mais incisivo numa determinada classe da sociedade, a dos políticos. De presidentes a ministros, de deputados a autarcas, quase estaríamos tentados a falar em pandemia (outro tema agora na moda).
Além disso, é uma amnésia muito selectiva. Se não se recordam nomeações, empregos, remunerações, emails enviados ou promessas eleitorais (se bem que esse seja o esquecimento a que todos já estamos habituados), já se recordam muito bem quando algum assunto é focado publicamente que não seja do seu agrado.
É que se todos os políticos gostam de aparecer numa fotografia ou nuns segundos televisivos, a inaugurar um equipamento, a discursar sobre o bem que vai o país ou vice-versa, a falar mal do Governo que estiver na altura no Parlamento, já não gostam quando o tema lhes relembra o que gostariam de deixar bem arrumado no fundo da gaveta da memória.
E gostariam imenso de que a tal comunicação social se esquecesse, ou melhor, deixasse tudo isso cair no esquecimento…

 

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

O medo

Em crianças todos ouvimos falar do «papão», do «bicho-mau», que vinha buscar os meninos que se portavam mal ou não comiam a sopa.
O «papão» era o medo que nos incutiam desde pequenos e que em muitos casos ainda mantemos depois de adultos.
Vivemos com medos no nosso dia-a-dia. Medo da doença, do desemprego, de sermos atropelados, etc. E habituamo-nos a esses medos, por vezes até brincando, ou usando pequenos rituais para que as coisas corram bem, como sair de casa com o pé direito, ou fazer figas.
Mas o medo de que hoje falo é o que encaramos muitas vezes nesta profissão jornalística.
Não se trata do medo que advém de ameaças por, algumas vezes, colocarmos a nu aquilo que muitos gostariam de esconder.
É antes o medo que precisamos de ultrapassar para obter as declarações de uma testemunha ou o de levar uma determinada «fonte» a dar a cara pelo que diz.
São muitas as conversas em que ouvimos o «não ponha lá isso», «estou agora a falar em off» ou ainda o «não ponha na notícia o meu nome».
E até certo ponto, compreendemos esse medo, ou receio, como lhe queiram chamar.
No meu caso, recuso-me a publicar seja o que for se a pessoa que relata algo não der a cara.
Não posso ser eu, enquanto jornalista, a fazer o papel de «vingador» que essa pessoa pretende com as declarações que presta. Entendo que se quer tornar algo público, então deve assumir publicamente o que diz.
Apesar de tudo, até compreendo que muitas pessoas não queiram que a sua identidade se torne pública. Há situações extremas em que, ao falar-se de algo, se coloca demasiado em risco, muitas vezes para beneficiar outros que nem um agradecimento devolvem.
Mas, como jornalista do pós-25 de Abril, o que não consigo compreender, e sobretudo aceitar, é o medo abjecto de quem sabe que algo está mal, de quem pela sua posição na sociedade tem o dever de apontar o dedo e expor, mas que se recusa a fazê-lo porque simplesmente tem medo de perder um cargo, ou em português vernáculo, perder um «tacho».
São esses também os primeiros a criticar aqueles que sabem que vivem num país de liberdade, que querem realmente mudar as mentalidades e os poderes instituídos.
E tudo fazem para que as tais vozes, que para eles e para quem os sustenta são incómodas, se calem, porque normalmente são eles quem estão em cargos de gestão ou de direcção.
É que este tipo de pessoas interessa aos tais poderes, porque os sabem submissos, calados e obedientes. Não levantam ondas, não apontam o dedo, não erguem a voz para exigir aquilo a que eles, ou aqueles que supostamente representam, têm direito.
São semelhantes a toupeiras, mas menos dignos que estes animais, porque esses vivem abaixo do solo por ser esta a sua natureza, ao passo que estes de que falo o fazem porque não querem perder os tais privilégios. Nem que esse seja um simples título atrás do nome.
Quarenta anos depois da Revolução, ainda há quem não compreenda o que é viver em democracia.
O que é positivo, é que por cada uma dessas ‘toupeiras’ há sempre quem não tenha medo, quem aponte o dedo e erga a voz.
Porque afinal a Revolução dos Cravos não serviu apenas para alguns se exibirem em palcos e manifestações ostentando o «grito vermelho» à lapela.

P.S. - Mais uma das minhas crónicas semanais no Diário do Distrito. Quem quiser que enfie o carapuço.