sábado, 29 de março de 2014

Sonho de bufo

Duas situações me levam a escrever este texto.
Um documentário sobre uma família da Roménia de Ceausescu e o livro «O Pavilhão dos Cancerosos», de um autor russo.
O que é que estas duas coisas têm em comum?
Ambos se passam em países de regimes comunistas.

«Somos todos vítimas de um regime que nos obrigou a virar-nos uns contra os outros» diz a filha do “dissidente político” de que fala este documentário, que vivia na pequena aldeia de Draganet.
O documentário passou hoje na BBC World News sobre uma família perseguida pelo regime comunista na Roménia.
O marido, reparador de televisões e rádios, iniciou um percurso semelhante aos resistentes comunistas em Portugal, durante a ditadura, espalhando panfletos sobre a situação em que viviam, que obrigava a filas de horas para  comprar um pão, enquanto Cheuseuco vendia a produção de cereais do país ao estrangeiro.
Foram perseguidos, presos e torturados. A família foi perseguida, telefones sob escuta, relatórios infindáveis sobre o que faziam no dia-a-dia, amigos e familiares sob pressão para não falarem com eles ou ajudarem de que forma fosse, incluindo com comida, cartas abertas e copiadas para os relatórios, perda de emprego e de oportunidades.

Em relação ao livro que estou a ler, passando o choque inicial do título, vão surgindo histórias de vários homens com cancro, mas também de homens que viveram a revolução socialista na Rússia, e os anos sucessivos de formas diferentes.
E vai surgindo um quadro do que foram esses anos. Dos que obtiveram emprego, carro e casa denunciando vizinhos e camaradas e dos que foram denunciados e perderam a juventude e a vida num campo de trabalho, dos que acreditavam com todas as suas forças no regime em que viviam, nos que queriam pensar e não podiam, quase todos no final com o mesmo destino forçado pela doença.

 Vem isto a propósito de alguns comentários que tenho lido em redes sociais de quem defende com unhas e dentes determinados tipos de regime, querendo a toda a força eliminar a verdade deste passado, cuja realidade, pela sua idade ou por nunca terem saído de Portugal, desconhecem totalmente.
Mas por uma questão de ideologia, mantêm a sua visão de factos que nunca viram nem vivenciaram.

No entanto, se não viveram o passado, podem agora seguir o que acontece em certos regimes ditatoriais através do que é divulgado para o mundo.
Mas não, essas mesmas vozes entoam bem alto que aquilo que, e cá vamos nós, a comunicação social passa para o mundo não é a verdade.
Que os que lutam contra certos e determinados regimes são terroristas, pagos por outros países ou afins. Que toda a gente vive e sempre viveu feliz nestes regimes.
Que afinal, só a democracia (porque elege sempre os mesmos) é que é uma verdadeira chatice.

Acredito que essas pessoas adorariam viver num país onde, pela sua cobardia e falta de escrúpulos, pudessem submeter os restantes à pressão de ditadorzinhos que não deixariam de ser, sobretudo se com isso ganhassem estatuto, dinheiro ou bens e privilégios que nunca escasseavam para a elite ou para membros mais “protegidos” dos regimes.
Fica bem a alguma gentalha a farda de bufo.

sábado, 22 de março de 2014

Louvor à mediocridade

«Gaba-te, cesta, que vais à vindima», já o dizia a sabedoria dos nossos avós…
Todos temos o direito em nos gabarmos, quando realmente atingimos algo excepcional, e essa auto-promoção até resulta quando é feita com classe, com uma certa ironia e até humor.
Mas quando o que se gaba é nada menos que o vulgar ou ainda, a mediocridade, isso não passa de simples gabarolice, roçando a arrogância e a mania de superioridade.
À falta de terem quem diga como são maravilhosos, excelentes profissionais ou os «melhores» da praça, os gabarolas têm de o fazer por si próprios, tentando convencer-se a si mesmos e aos outros que valem alguma coisa.
E isto acontece sobretudo no dia-a-dia profissional e em todas as profissões.
No caso do jornalismo, qualquer jornalista que se preze procura ser o primeiro a informar, a obter o chamado «furo», a ser o primeiro a chegar a qualquer local e conseguir a mais completa informação para os seus leitores/ouvintes/telespectadores.
É essa a razão principal do jornalismo. Cabe-nos a nós, jornalistas no verdadeiro sentido da palavra, obter as informações e proporcioná-las através do meio para o qual trabalhamos. E trabalhar afincadamente para que isso aconteça.
 A esta, acrescente-se o orgulho profissional de fazer com que o meio de comunicação para o qual trabalha seja reconhecido pelos seus leitores, como o mais actual e o que melhor informa.
E são os leitores que realmente dizem se tal órgão é ou não um verdadeiro meio de comunicação social.
Não a gabarolice.
Claro que fica sempre bem dizer que se tem um exclusivo, quando tal é verdade.
Agora de uma qualquer noticiazinha fazer um estrondoso festival porque se obteve este ou aquele dado mais cedo que os restantes?
Mas por outro lado, não se preocupam com a falta de honestidade precisamente no que toca concorrência desleal que praticam para com os outros órgãos de comunicação, destruindo todo o mercado publicitário onde laboram, fazendo-se até passar por quem não são. 
Isso significa apenas que durante todo o resto do tempo de trabalho ou de existência de tal meio de comunicação, nunca tal feito foi alcançado, limitando-se talvez ao «copy - past» de informações veiculados por outros órgãos.
Ou que se têm tão pouca fé no trabalho realizado, que só alardeando o que poderá até ter sido um feliz acaso, se convence e tenta convencer os outros de que são os melhores.
São os chamados «pavões». Infelizmente, ao contrário destes lindos animais, pouco ou nada têm para apresentar senão os seus esforços patéticos.
Muitas vezes, esses esforços até podem ser divertidos para quem os vê, e fazerem surgir um sorriso de esguelha, como fazemos quando vemos certas traquinices dos nossos gatos ou cães.
Mas com o passar do tempo, a sua repetição e lendo nas entrelinhas do verdadeiro motivo para tal, a falta de lealdade e de respeito, tornam-se abjectos.
Melhor seria que por vezes se relesse o Código Deontológico do Jornalista e se revessem as formas de conduta. É que ser grande não significa que se tem mais qualidade. E quem muito alto sobe, de muito alto cai.
 
PS - Mais uma das minhas contribuições para o Diário do Distrito.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Silêncios


Estamos a poucos dias de celebrar quarenta anos sobre a revolução que, supostamente, mudaria Portugal para melhor. Que traria paz, pão e habitação para um país que vivera, precisamente durante cerca de quarenta décadas, sob uma ditadura.
E um dos temas que mais marcou a época ditatorial foi a falta de liberdade de imprensa.
Como jornalista, esse sempre foi um tema caro para mim. Um tema que me fez comprar livros sobre o famoso lápis azul e, sobretudo durante os meus tempos de estudante, me fazia pensar: “felizmente vivemos numa democracia, onde os jornalistas não são perseguidos”.
Quão inocentes podem ser esses nossos “sonhos” de juventude.
Chegada ao mercado de trabalho, deparo-me com políticas de silêncio impostas pela entidade patronal. «Se fulano não faz publicidade, não é referido nesta revista» ou uma frase que ainda conto em jeito de anedota: «Tem de fazer um texto sobre o sexo, mas sem focar o tema directamente»… se uns até percebo hoje, enquanto empresária, outros ainda me deixam boquiaberta por tudo o que um jornalista tem de vivenciar.
No entanto, anos passados sobre isto, deparo-me agora com um novo muro de silêncio.
Daqueles praticamente inexpugnáveis.
Durante os meus anos de jornalista, sempre que visitava um site de determinado ministério, habituei-me a ir a uma página específica e ali encontrar os dados necessários para contactar o departamento de imprensa, de comunicação, até de marketing. Conhecia os assessores pelos nomes, tínhamos os números de telemóvel, despedíamo-nos com saudade quando mudavam de emprego ou mudava o executivo do ministério, e sabia sempre a quem me dirigir.
Agora, quase quarenta anos depois do fim da tal ditadura, os jornalistas voltaram a encontrar um muro de silêncio em relação ao Governo e seus ministérios.
Se quero obter informação de um qualquer ministério, ou tenho a sorte de conhecer alguém que conhece alguém que até sabe quem é o assessor (e note-se que isto não é garantia de que obterei a informação ou o depoimento), ou então tenho de «submeter o questionário», sem saber a quem, se foi recebido e lido.
De uma coisa tenho a certeza, esta não é nem nunca será a forma correcta de um governo lidar com a comunicação social.
Se querem silêncio, assumam isso. Digam preto no branco que não falam, que não comentam, que não querem que os chatos dos jornalistas se metam nesses assuntos. Mas não gozem com o trabalho dos outros. Até porque não será muito difícil descobrir o número de assessores de imprensa e de membros dos respectivos gabinetes e quanto recebem. Por quase nada.

Gostaria de terminar o meu texto por aqui, mas infelizmente este muro de silêncio não se limita ao Governo.
Sentimos também isso, e falo no plural porque este é um tema recorrente que nós jornalistas, costumamos falar, com as Câmaras Municipais. Ou melhor, com alguns assuntos nas Câmaras Municipais.
Eventos e declarações políticas? «Com certeza, caros senhores, terão as declarações que desejarem.»

Explicações ou esclarecimentos sobre outros aspectos menos positivos? Silêncio.
Apenas uma última nota: neste ponto final, não incluo os departamentos de comunicação das autarquias, que sempre compreendem as nossas necessidades e tudo fazem para «romper» esse muro de silêncio.

P.S. - Esta foi mais uma das minhas crónicas no Diário do Distrito.