O «papão» era o medo que nos incutiam desde pequenos e que em muitos casos ainda mantemos depois de adultos.
Vivemos com medos no nosso dia-a-dia. Medo da doença, do desemprego, de sermos atropelados, etc. E habituamo-nos a esses medos, por vezes até brincando, ou usando pequenos rituais para que as coisas corram bem, como sair de casa com o pé direito, ou fazer figas.
Mas o medo de que hoje falo é o que encaramos muitas vezes nesta profissão jornalística.
Não se trata do medo que advém de ameaças por, algumas vezes, colocarmos a nu aquilo que muitos gostariam de esconder.
É antes o medo que precisamos de ultrapassar para obter as declarações de uma testemunha ou o de levar uma determinada «fonte» a dar a cara pelo que diz.
São muitas as conversas em que ouvimos o «não ponha lá isso», «estou agora a falar em off» ou ainda o «não ponha na notícia o meu nome».
E até certo ponto, compreendemos esse medo, ou receio, como lhe queiram chamar.
No meu caso, recuso-me a publicar seja o que for se a pessoa que relata algo não der a cara.
Não posso ser eu, enquanto jornalista, a fazer o papel de «vingador» que essa pessoa pretende com as declarações que presta. Entendo que se quer tornar algo público, então deve assumir publicamente o que diz.
Apesar de tudo, até compreendo que muitas pessoas não queiram que a sua identidade se torne pública. Há situações extremas em que, ao falar-se de algo, se coloca demasiado em risco, muitas vezes para beneficiar outros que nem um agradecimento devolvem.
Mas, como jornalista do pós-25 de Abril, o que não consigo compreender, e sobretudo aceitar, é o medo abjecto de quem sabe que algo está mal, de quem pela sua posição na sociedade tem o dever de apontar o dedo e expor, mas que se recusa a fazê-lo porque simplesmente tem medo de perder um cargo, ou em português vernáculo, perder um «tacho».
São esses também os primeiros a criticar aqueles que sabem que vivem num país de liberdade, que querem realmente mudar as mentalidades e os poderes instituídos.
E tudo fazem para que as tais vozes, que para eles e para quem os sustenta são incómodas, se calem, porque normalmente são eles quem estão em cargos de gestão ou de direcção.
É que este tipo de pessoas interessa aos tais poderes, porque os sabem submissos, calados e obedientes. Não levantam ondas, não apontam o dedo, não erguem a voz para exigir aquilo a que eles, ou aqueles que supostamente representam, têm direito.
São semelhantes a toupeiras, mas menos dignos que estes animais, porque esses vivem abaixo do solo por ser esta a sua natureza, ao passo que estes de que falo o fazem porque não querem perder os tais privilégios. Nem que esse seja um simples título atrás do nome.
Quarenta anos depois da Revolução, ainda há quem não compreenda o que é viver em democracia.
O que é positivo, é que por cada uma dessas ‘toupeiras’ há sempre quem não tenha medo, quem aponte o dedo e erga a voz.
Porque afinal a Revolução dos Cravos não serviu apenas para alguns se exibirem em palcos e manifestações ostentando o «grito vermelho» à lapela.
P.S. - Mais uma das minhas crónicas semanais no Diário do Distrito. Quem quiser que enfie o carapuço.
Sem comentários:
Enviar um comentário