sábado, 4 de janeiro de 2014

As Pálas

Primeiro que tudo, uma saudação a quem perde algum tempo para ler o que escrevo, desejando que 2014 traga saúde e felicidade, já que dinheiro será muito difícil.
Hoje escrevo sobre as pálas. Aquelas que muitas pessoas colocaram aos 12 ou 13 anos (outros um pouco mais tarde, consoante lhes deu mais jeito) e das quais não são capazes ou não querem livrar-se.
Se há algo que me irrita é isso. Nasci antes do 25 de Abril de 1974, e tive a sorte de ser «A Geração de Abril», os meninos que podiam ir para a escola sem bibe, que podiam pintar cravos e papoilas nos muros da escola, que podiam dizer a palavra liberdade sem medo.
Fui da juventude que podia ler o que quisesse, numa biblioteca recheada de livros. Que pôde ler sobre os horrores da PIDE e sobre a vitória de Humberto Delgado, porque o meu pai, simples pastor/cobrador/estivador conseguiu comprar esses livros.

Fui do sexo feminino que pôde decidir começar a trabalhar aos 17 anos, e desde aí nunca mais parar. Pude estudar na Universidade, no curso que quis.
Fui durante todos esses anos, educada numa família comunista. Numa família que se calava quando na televisão falava Álvaro Cunhal, figura que sempre respeitei. Numa família que seguia os resultados das eleições na sede do PCP da Torre da Marinha (local que alguns que hoje ostentam cravinhos vermelhos se calhar nem sabem que existiu).
Mas graças a um pai apenas com a 4ª classe e uma mãe que quase nem sabia assinar o seu nome, aprendi a pensar.
Aprendi a não ficar apenas pelo que ouvia, a indagar, a olhar o mundo com olhos de ver. Sem pálas.
Claro que essa visão se deve também ao muito que passei. Fui delegada sindical, defendi os direitos dos meus colegas, não em reuniões bacocas a debitar discursos políticos, mas no local, levando mesmo a uma paralisação numa secção da empresa onde trabalhava. A minha maior lição de vida. Porque se lutei por essas “colegas”, muitas delas são as que hoje passam por mim e fingem que não me viram. Mas tenho outras, que mesmo hoje varrendo as ruas, não deixam de me fazer uma enorme festa, que retribuo com a amizade que lhes devo.
Mas voltemos às pálas. Essas que alguns gostam de ostentar, e que lhes tira até o discernimento para uma discussão. As pálas que sempre me recusei a usar.
E por isso sou capaz de hoje, tanto defender como acusar. De agradecer e apontar o dedo. De aceitar e de recusar. E tenho um enorme orgulho disso a cada dia que passa.
Claro que não é fácil, num tipo de sociedade que só vive de rótulos, de cores políticas, de tendências, de gostos. Mas ser integro e vertical nunca foi fácil.
E nunca o será, enquanto a sociedade for composta na sua maioria por cordeiros.

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