sexta-feira, 25 de abril de 2014

Revolucionar a Revolução?


Se há tema incontornável esta semana, é a passagem de quarenta anos sobre a Revolução dos Cravos, à semelhança de outras datas como o Natal, a Páscoa ou a Passagem de Ano. Podemos até nem gostar, mas sentimo-nos obrigados a dizer algo.
E infelizmente, no caso da Revolução de Abril, cada vez mais essas celebrações parecem fazer-se apenas para marcar a data no calendário, num cenário consumista, em que o verdadeiro valor da revolução se perde nas decorações também em vermelho, mas desta feita sob a forma de cravos.
Antes de celebrar, devemos olhar em redor e interrogar-nos afinal o que temos hoje para festejar?
E atenção, não estou a criticar (e como «filha da Revolução» nunca o poderia fazer), esse grande momento que mudou para sempre a vida de Portugal, um país de que me orgulho acima de tudo (o que desprezo é quem ao longo dos anos o transformou num colonato de grandes senhores).
Critico sim os cínicos festejos de uma data que para muitos deixou de fazer sentido, ou melhor, tentam a todo o custo que deixe de fazer sentido.
Critico os festejos à base de música de dança, courato e cerveja, foguetório e discursos, com ramos e ramos de cravos pelo meio e politiquices baratas.
Já o dizia José Barata-Moura, que «cravo vermelho ao peito, a muitos fica bem».
Por um lado, é fácil discursar-se com barriga cheia, fazer as festas para o povinho, chegar ao palanque e falar que estão ou estiveram no Governo e deixaram o país chegar a este ponto.
É fácil fazer grandes festas e lançar foguetes, gastando-se o que não se tem, e depois fechando os olhos e os ouvidos aos credores que ficam à porta. Encher a boca com a crise e a falta de apoio do Governo, e depois ignorar ostensivamente quem realmente precisa de ajuda.
Por outro lado, ninguém é cego que não veja que todos os direitos que foram conquistados com a Revolução dos Cravos estão, ao fim destes quarenta anos, completa e absolutamente, em perigo.
O direito ao trabalho e à segurança no emprego, a liberdade de organização, de reunião e de manifestação, o direito à greve e à negociação colectiva, o direito à saúde, à segurança social e à educação, são conquistas consagradas na Constituição da República Portuguesa. 
Todos eles foram, nos últimos anos, alvo de um qualquer tipo de ataque, sob uma fórmula de resgate e de austeridade que ninguém ainda teve o cuidado de explicar por miúdos.
Antes nos atiram com medidas adicionais de redução de rendimentos, mais impostos, menos direitos, o encerramento de serviços essenciais à população, uma justiça que serve apenas os interesses económicos, o controle apertado sobre a comunicação social, a degradação do Serviço Nacional de Saúde e uma educação que sobrecarrega professores, e exclui o ensino de qualidade em nome de estatísticas.  
Podemos até questionarmo-nos para que serve afinal esse documento chamado Constituição Portuguesa, se todos os pontos que ali estão definidos podem, a qualquer altura e por uma qualquer entidade, ser cilindrados por uma qualquer alínea de um obscuro decreto-lei.
Os direitos e os valores de Abril são conquistas em que acreditaram os que tudo fizeram para criar um Portugal livre.
Um Portugal que agora, em 2014, está ameaçado por poderes ainda mais obscuros e terríveis, quiçá até do que os que governavam há quarenta anos atrás. Porque pior do que um escravo viver na sua escravatura, é um escravo que não deixa de o ser, embora sob a ilusão de que vive em liberdade.


 

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Celebrar o quê?




Confesso que tenho andado um bocado cansada de tudo o que me rodeia. 
Da hipocrisia dos políticos, que fazem tudo o que lhes apetece; das medidas que são tomadas; de um povo que grita por Liberdade mas perde mais tempo a discutir futebol do que a pensar, e ainda de uma vida de luta por tudo o que acreditamos mas que não nos leva a nada.
Em breve se vão celebrar, com pompa e muita circunstância, os quarenta anos do 25 de Abril. E ouvimos uma perua enxuflada a dizer que se os capitães de Abril não querem estar presentes nas comemorações, o problema é deles.
Mas aposto que, há semelhança do ano passado, na manhã de 25 de Abril, serão apenas uma meia dúzia de pessoas que se irá levantar e apresentar algum protesto à porta da Assembleia da República, porque se o ano passado estava quente o suficiente para ir para a praia, este ano será o frio a ditar que se fique no aconchego da cama.
E ouvimos também outra perua a dizer que os desempregados deviam era passar mais tempo a fazer voluntariado em vez de andarem a brincar na Internet. A mesma perua que há uns meses dizia que os portugueses não podiam comer bifes todos os dias.
A mesma perua que recebe em casa o melhor que o povinho lhe dá, devidamente ensacado em sacos do Banco Alimentar, e levado até à sua casinha, alimentando os seus filhinhos, por esses mesmos voluntários que a perua queria que fossem mais.
E depois ouvimos ou lemos algures que o RSI foi tirado a milhares de pessoas porque elas, pasme-se, tinham contas com milhares de euros. E claro que as assistentes da Acção Social local ou da Segurança Social, nem se deram ao trabalho de investigar alguma coisinha sobre as pessoas que ali se dirigem a pedir os RSI. Ah, não, os pedidos de papelada e as burocracias estão unicamente reservados para os desempregados portugueses, os que descontaram durante anos, os que pagaram os seus impostos, os que ao fim de uma vida de trabalho, se vêm obrigados a recorrer ao Estado, a quem pagam as mordomias, para poderem sobreviver. Sim, porque esses é que são os bandidos, não os que vivem em casas pagas pelas autarquias, recebem abonos e rendimentos, não pagam impostos sobre vendas e conduzem Mercedes.
E ouvimos ou lemos que as crianças deficientes viram-lhes ser retirados apoios, aulas especiais e até abonos, porque é preciso que os senhores deputados e quadrilha afilhada não percam os seus benefícios de deslocação nem deixe de receber os subsídios de representação
E ouvimos ou lemos que cada vez mais idosos deixam de comprar medicamentos, ou bens de primeira necessidade, para que os ex-deputados e os ex-administradores da RTP ou outras empresas estatais não deixem de receber as suas reformas.
E ouvimos ou lemos que cada vez mais crianças vão com fome para as escolas, para que os partidos políticos não deixem de ter os seus financiamentos durante as campanhas eleitorais, e que tudo isso não passa de má gestão do tempo dos pais, como disse a perua de que já falei antes.
Ando cansada de ouvir e de ler tudo isto. Ando cansada de ver um país de gente que agora se vai engalanar de cravos vermelhos, mas que prefere discutir com a vizinha de cima sobre o cheiro a sardinha assada nas escadas ou sobre o árbitro no jogo de domingo, no café, do que tomar alguma acção concreta.
Ando cansada.