quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

O fim ou o princípio de uma história


Já o disse inúmeras vezes que o trabalho de jornalista é a melhor e a pior das profissões.
De todas as histórias de que falamos, é necessário olhar tudo de alguma distância, de forma fria e lógica.
Sendo humanos, nem sempre isso é possível. Não conseguimos ficar indiferentes ao ouvir determinados discursos eivados de mentiras, nem impedir que o sangue ferva ao escrever sobre determinados temas.
No entanto, é nossa obrigação faze-lo. São os nossos olhos que vêm a história, é a nossa sensibilidade que escolhe as palavras, é a nossa razão que tece as ideias.
Mas e quando a história nos é próxima demais? Ou quando, ao contrário do que nos dizem todos os manuais e mestres professores, nos deixamos capturar pelos elementos dessa história?
Ao longo destes quase vinte anos de jornalismo, já me aconteceu isso.
Por várias vezes. E de todas elas me orgulho. Sim, há o profissionalismo, mas este nada é sem o lado humano com que também temos de olhar em nosso redor.
Como posso descrever um pôr-do-Sol, sem sentir o calor deste no rosto?
Por isso mesmo dizemos que todas as histórias que escrevemos, levam um pedacinho de nós.
E depois há aquelas histórias que realmente nos prendem, que não terminam quando desligamos o gravador ou guardamos a máquina fotográfica.
Ontem tive essa história.
Depois de ter conhecido um casal paquistanês, devido a uma avaria com o meu telemóvel, escrevi sobre o seu desespero por estarem há dois anos a aguardar vistos de residência e autorização para trazerem para Portugal os seus gémeos de 3 anos de idade.
O casal foi-me mantendo informada do processo e há uns dias, pediram-me que os acompanhasse ao SEF de Setúbal, para os ajudar como intérprete na reunião que lhes foi marcada (tendo em conta que o advogado a quem pagaram não quis ir).
Claro que acedi e confesso que ia muito nervosa, porque acreditava que podia ser o passo final que permitiria a reunião deste jovem casal com os filhos.
Durante uma manhã stressante, fomos conversando, brincando até para afastar o nervoso, com as horas a arrastarem-se.
A determinada altura, uma das funcionárias do SEF que se afadigava com o processo, vendo o nosso nervoso, disse-me: 'O processo dos meninos fica hoje concluído, e vão poder ir busca-los ao Paquistão'.
Virei-me para eles e naquele momento não encontrei palavras, eu que as uso todos os dias.
Como dizer a estes pais que o sofrimento de dois longos anos (em que aguardaram a conclusão do processo) iria terminar ali? Que daqui a dias podiam estar a abraçar os filhos e traze-los para Portugal?
Olhei para eles e creio que leram tudo isso na minha cara. Foi impossível não chorar. E rir de alívio.
À saída do SEF fizeram questão de abraçar as funcionárias, e o pai passou-me os papéis para as mãos. Quando lhe disse para os guardar, respondeu-me: 'Please, por favor, segura-os nas tuas mãos, porque foi a tua força que permitiu que isto estivesse agora a acontecer, e queremos que essa energia continue agora nestes papéis que vão para o Paquistão.'
Em Março estarei no aeroporto à espera dos dois pequenos gémeos, um menino e uma menina, que a mãe irá buscar.
Porque uma história nem sempre termina com a palavra 'FIM'.

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