terça-feira, 1 de novembro de 2011

Censura, jornalismo e lacaios

 Estava ontem a preparar a minha próxima aula para a Universidade Sénior (é verdade, estou a leccionar na Unisseixal a disciplina de «Iniciação ao Jornalismo», mas sobre isso falarei noutro post), quando deparei com um texto sobre a censura.

Este é um tema muito caro para mim, como jornalista, porque no meu percurso profissional de quase vinte anos, já me apercebi que muito ainda há a fazer para acabar com pseudo-reizinhos que julgam poder exercer censura sobre os meios de comunicação que não controlam financeiramente, habituados que estão a decidir sobre as notícias boletinizadas que devem ser publicadas ou sobre quem pode ou não escrever opiniões nesses folhetos pagos em ajustes e outros bens.
Mas adiante.
Nuno Crato fala, naquele que é uma das "bíblias" do jornalismo, depois do Livro de Estilos do Público (e cuja leitura tão bem faria a alguns jornaleiros), sobre um dos períodos mais negros da história do jornalismo em Portugal, a censura no Estado Novo.
E fala sobre as formas de luta dos jornalistas perante essa censura e a imposição de regras por parte do Regime, desde os espaços em branco deixados nos jornais em 1918 (um pouco semelhante a uma barrinha negra que já foi utilizada pelo meu jornal e que ainda continua bem entalada num certo local em algumas pessoas), até ao «mutismo culposo e absurdo», conforme refere uma circular da então Direcção dos Serviços de Segurança, em 1931, perante a recusa dos jornais em publicar o que consideravam como propaganda do Regime.
Longe, muito longe das capas gritantes dos dias de hoje, da liberdade de colocar uma simples barra negra com contagem dos dias, (e repito, que tão entalada anda ainda por aí, que já deu origem a editoriais em folhetos e até em revistinhas desportivas, por gente que já se esqueceu que foi nesse mesmo jornal que vieram, a determinada altura, carpir mágoas por falta dos mesmos apoios da mesma entidade que a tal barrinha visava. Mas enchida que é a barriguinha, ei-los a bajular quem paga, criticando quem defende).
Mais uma vez, disperso-me.
Longe, dizia, mas ainda tão perto, quando temos um primeiro-ministro que critica publicamente e leva ao afastamento de uma jornalista televisiva, ou advogados avençados que abrem processos contra jornais quando não concordam com a forma como são descritos em notícias.
Nuno Crato fala também da «auto-censura» imposta pelos próprios jornalistas, «tão gravosa como o regime que lhe deu origem, que favorece a ilusão de paz doméstica, e obriga o jornalista a uma ética de comedimento e equilíbrio, que produz os seus frutos podres: a cobardia, o receio do desagrado e o medo ao afrontamento, ainda hoje patentes em muita imprensa».
Não podia concordar mais, perante a abjecta defesa, que toca o histerismo, que alguns jornaleiros fazem de certos poderes instituídos, numa medíocre tentativa de se elevarem aos olhos dos mandantes, imiscuindo-se inclusive nos temas que os outros jornais abordam, temas que esses jornaleiros nunca teriam a ousadia de abordar, com medo de perder as migalhas que recebem das mãos daqueles de quem eles e os seus negócios dependem.
O positivo é que esses devaneios continuam a ficar-se pelo éter virtual e não chegam ao papel impresso.
A terminar, como dizia António Ferro, director do Secretariado da Propaganda Nacional e braço direito de Salazar no campo da comunicação, uma frase para reflectir:
«Politicamente só existe o que se sabe que existe».

P.S. – Para os que não conhecem Nuno Crato e a obra que refiro, o livro tem por título «Comunicação Social – A Imprensa», e anda a precisar de ser lido por muita gente.

2 comentários:

LM disse...

Apenas mesmo por curiosidade: Nuno Crato mora na margem sul.

Maria do Carmo disse...

Caro LM, Obrigada pela informação, não fazia ideia.

Cumprimentos