sábado, 28 de junho de 2014

Quando o jornalismo é notícia


Uma das regras que aprendemos no jornalismo é que a notícia não é cão que mordeu o homem, mas o homem que mordeu o cão (se bem que, infelizmente, e nos últimos tempos, esta regra já não se aplica tanto).
Isto porque o vulgar não vende jornais. O insólito, o fora do comum e até o horror é que atraem público.
Mas insólito mesmo é quando os jornalistas ou jornais passam a ser eles a fonte da notícia.
Já temos visto isso, como aconteceu com o «News of the World», o jornal dominical mais vendido da Grã-Bretanha, que acabou por encerrar, devido ao escândalo das escutas telefónicas e fez as paragonas de jornais e telejornais em todo o mundo.
Por cá há também vão ocorrendo alguns «casos» em que os jornalistas passam a notícia. Relembro aqui aquela famosa história do deputado Ricardo Rodrigues, que durante uma entrevista, “subtraiu” os gravadores dos jornalistas, fazendo o caso a capa de vários jornais.
Temos também o ministro José Relvas e as suas ameaças telefónicas a uma jornalista de um diário alegadamente (e tomem notem do termo, um dos mais utilizados nestas lides, para evitar a quem escreve ou lê notícias, ter de ir responder a tribunal por determinadas afirmações) para evitar que certa notícia visse a luz do dia.
Tal acto foi classificado como «inaceitável» pela direcção do jornal «Público», deu azo a um comunicado do Conselho de Redacção do jornal, onde esta pressão foi tornada pública e, claro, fez mais capas de jornais.
A nível local, não são poucas as vezes que os jornais fazem notícia de outros ou até de si próprios, sobretudo quando alguns tentam fazer passar por notícias as mentiras que iam inventando, histórias que se calhar um dia trarei a esta crónica.
Também eu, e devido a algumas acusações feitas publicamente por quem devia preocupar-se mais com questões concelhias do que com quem pensavam ser proprietário do meu jornal, tive de não poucas vezes, passar de mera jornalista observadora a ter de intervir da forma que podia, ou seja, tornando em notícia essa situação.
Noutras até me diverti bastante, como por exemplo fazer a reportagem de quando uma simples gralha do meu jornal foi discutida numa Assembleia Municipal.
Também já me deparei com quem dedicasse o seu tempo a analisar o espaço que fulano ou sicrano, deste ou daquele partido, ocupava num jornal, a ponto de até indicar o número de linhas onde era referido.
Este facto passou-se durante as eleições autárquicas de 2009, por uma anónima personagem blogosférica, de quem Alfredo Monteiro, anterior presidente da Câmara Municipal do Seixal, muito acertadamente disse: «quem não dá a cara pelo que diz, só pode ser julgado como cobarde».
E eis que chegamos ao cerne deste meu texto, de como ainda hoje me espanto com algumas coisas a que assisto, a merecerem as «gordas» em qualquer jornal ou serviço noticioso.
É que ver quem tem responsabilidades políticas, mesmo como independente, usar do seu precioso tempo e o dos outros, para publicamente e em local onde devia sobretudo ser discutido o concelho, fazer referência ao espaço ocupado por este ou por aquele interveniente numa determinada reportagem publicada num diário regional, é no mínimo ridículo.
Pior do que isso, é a falta de educação com os termos utilizados, entre eles falta de isenção e tendenciosismo, se calhar só pela gracinha de que os mesmos fiquem em acta, mas sobejamente repugnantes por si mesmos e por serem dirigidos a quem até se encontrava em serviço no local e não podia intervir.
Não foi uma referência ao meu jornal, até porque este «interveniente» já no passado tentou fazer algo semelhante, questionando o edil camarário sobre o motivo pelo qual o meu jornal apresentava na capa um determinado vereador. Também na ocasião, Alfredo Monteiro respondeu que nada tinha que ver ele ou o executivo com um jornal independente, do qual a directora se encontrava na sala, e por isso podia ser interrogada directamente.
Foi uma «brincadeira» que lhe saiu muito cara, da qual se arrependeu amargamente.
E que deu também azo a uma notícia.
Existe algo que, apesar das guerras que possam existir ao nível das empresas editoras dos jornais, se chama lealdade entre colegas.
É algo que alguns fingem desconhecer, mas que me orgulho, bem como a maioria dos profissionais que conheço, de fazer questão em honrar.
Daí o meu repúdio por intervenções deste género, precisamente num ano em que se comemoram os quarenta anos do 25 de Abril, e sobretudo o direito à liberdade de imprensa.
Verdade é que nem sempre podemos agradar a gregos e a troianos, mas o respeito é muito bonito e é algo que cada profissional tem o direito de exigir a um munícipe, um vereador ou até a um presidente.

Nota de rodapé: Esta foi mais uma das minhas crónicas no Diário do Distrito. Lamento é que tenha sido sobre este tema, a intervenção de um vereador, Luís Cordeiro, eleito independente pelo Bloco Esquerda, na reunião camarária. E refiro o nome porque quem o disse, fê-lo publicamente, e sabe também que tais declarações ficam (ou deviam ficar) em acta.

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