sexta-feira, 20 de junho de 2014

Jornalistas e jornaleiros

No outro dia encontrei uma pessoa que não via vai fazer dezasseis anos. Foi a primeira jornalista com quem trabalhei, logo que iniciei esta vida de cigana (em termos laborais) do jornalismo.
Isto fez-me reflectir sobre os quase dezasseis anos em que já ando nisto e de tudo o que tenho encontrado.
Infelizmente, o mundo do jornalismo está dominado por pessoas que não percebem o mínimo do que quer dizer isenção e ética jornalística.

Durante esta década e meia de trabalho, deparei-me com um pouco de tudo, mas um género prevaleceu: o do endinheirado (ou nem por isso) que quer fundar um jornal ou revista, mesmo que nunca na vida tenha escrito sequer uma carta comercial.
Em Portugal, nada mais fácil.
Arranja-se um ou dois jornalistas, a recibos verdes, contrata-se um ou dois comerciais com o isco de ganhar boas comissões, escolhe-se um tema para a revista ou uma zona específica para abrir um jornal e, zás, eis uma empresa jornalística.
O problema é que esta vive da publicidade, e nem sempre a mesma existe ou aceita realizar inserções em revistas/jornais que ninguém conhece.
Aí, nada mais simples: despedem-se os jornalistas, independentemente dos anos que ali estejam, arranjam-se mais uns estagiários em urgente necessidade de iniciarem o seu percurso profissional, e contratam-se mais uns quantos comerciais com o mesmo engodo.
A veracidade e qualidade do conteúdo publicado não vem ao caso, interessa é que o suposto administrador possa dizer aos amigos que até dirige uma empresa jornalística.

Mas este é apenas um lado da questão.
Depois há os pseudo-jornalistas, muitos deles até com carteira profissional.
Isto acontece muito ao nível regional. Mas de certo modo até o considero meritório em certos locais onde a população tem apenas nestes órgãos locais o meio de conhecer o que acontece nas suas terras. Muitos desses jornalistas são pessoas sem formação específica na área, mas que o gosto pela escrita leva a fundarem os seus pequenos jornais. E na maior parte das vezes arrumam a um canto muitos licenciados em comunicação social.
O problema é quando de jornalistas passam também a políticos e regem estes órgãos como um meio para ganhar visibilidade política ou conseguirem favores especiais.

E como esse tipo de atitude agrada sobremaneira aos partidos políticos, quer estejam no poder ou na oposição, sempre vão caindo umas migalhitas de subsídios, publicidade institucional ou até, pasme-se, em ajustes directos autárquicos, desde que se vá escrevendo sempre aquilo para o quê se recebe.
E como a vergonha na cara de certos senhores é nenhuma, ei-los que, mesmo depois de perderem a tal carteira profissional (mercê das sucessivas queixas de que foram alvo) e verem o título jornalístico que dirigiam anulado por não cumprirem com as mais básicas regras legislativas da comunicação social, não deixam mesmo assim de assomar as feias cabeças.
Para tanto, basta fingirem que o tal jornal ainda é editado, criar uma falsa capa com supostas reportagens e voilá, usar as redes sociais ao seu dispor para fazer um brilharete com nada, até chegando a enganar quem ainda nele acredita.
Quem lê estas minhas linhas pode achar que estou a falar de forma despeitada, mas não. Garanto que até admiro pessoas assim, que tendo sempre vivido à margem da lei, conseguem continuar a fazer de conta que são muito honestos, continuam a viver calma e regaladamente as suas vidas, e ainda gozam com quem não dorme à noite porque tem uma conta para pagar e luta todos os dias para apresentar-se aos outros de cara limpa.
É que em terra de cegos, quem tem um olho é rei.

 P.S. - Crónica desta semana no Diário do Distrito

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