E o mais difícil é isso mesmo, criar uma separação entre o jornalista que relata e a pessoa que assiste ou escuta o que terá de relatar.
Como podemos ficar impávidos perante um acidente onde ouvimos gritos, aflição e até podemos assistir à morte? Essa será uma situação que nos perseguirá por anos, acordando-nos à noite entre pesadelos e suores frios.
Como ficar impassíveis se assistimos a uma cena em que a polícia carrega sobre manifestantes, quando sabemos que a luta dessas pessoas é justa?
Além dos factos, existe outro aspecto muito importante desta profissão: as entrevistas.
Fica-nos sempre algo de todas as pessoas com quem estamos, que perdem uns minutos ou umas horas da sua vida a falar connosco.
E quem afirmar o contrário não é um jornalista, é um jornaleiro.
Seja por uma frase, um gesto, ou até algo que nos desagradou profundamente em determinada pessoa, a marca fica lá, um pouco à semelhança dos autocolantes de hotéis que antigamente os viajantes faziam questão de exibir nas suas malas de viagem.
E se a maioria das pessoas só se abre quando fala directamente connosco, permitindo-nos conhecê-la aos poucos, outros há de quem já podemos ter uma ideia pré-concebida, o que por vezes nos dificulta o trabalho.
Como é óbvio, se entrevistar um confesso autor de um crime, sou humana, e não o poderei olhar compassivamente. Mas tentarei o meu melhor para que me diga o que o levou a fazer algo assim.
E depois há aquela entrevista para a qual vamos com determinada convicção, porque o entrevistado foi exposto e condenado em praça pública e porque durante anos ouvimos o mesmo refrão relativo a determinada pessoa, que durante esse tempo se recusou a falar publicamente.
De repente, ali a temos à nossa frente. Disposta a falar, a mostrar que aquilo em que durante anos nos quiseram fazer acreditar, afinal não é tão linear como isso.
Que há mais do que a simples história do «Era uma vez».
É verdade, estou a referir-me a uma entrevista que publiquei esta semana no meu jornal e que o Diário do Distrito irá também publicar.
Foi uma entrevista que aguardei durante seis anos.
E foi uma das entrevistas que mais me surpreendeu. Pela
pessoa entrevistada, pelo que foi revelado e, sobretudo, pelas reações que
provocou.
Isto porque se tratou de uma entrevista com uma pessoa que
teve elevados cargos e, de um momento para o outro, a sua situação de poder
deixou de existir.
Mas o que me levou a colocar este título tem a ver com os
versos da minha canção favorita de José Afonso, «Vejam Bem», quando esta
refere: ‘E se
houver / uma praça de gente madura / ninguém vem levantá-lo do chão / ninguém
vem levantá-lo do chão’.
Isto porque as tais reacções que li num grupo do facebook onde a
entrevista foi partilhada foi precisamente a de quem vê alguém caído no chão e
nada faz para o levantar, antes virando costas ou, pior ainda, atirando-lhe
pedras.
Sei que como jornalista não posso, ou não devo pronunciar-me depois de
ter publicado seja o que for. Mas «raios me partam» se um dia deixar passar por
mim, como a água do chuveiro, aquilo que me revolta, sobretudo quando isso roça
a cobardia.
A cobardia com que os fracos se revoltam contra o gigante que caiu, mas
a de quem fugiam quando este estava de pé. A cobardia de quem usando
impunemente um computador aproveita para insultar. Mas sobretudo a cobardia de
manada, de quem prefere continuar a acreditar no «credo» que lhe foram
incutindo, porque acha que pensar é um exercício demasiado difícil.
Mais um texto meu no Diário do Distrito.
Mais um texto meu no Diário do Distrito.
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