sábado, 24 de maio de 2014

A cavalo dado, olhar sempre o dente

Durante a minha carreira como jornalista, já passei por várias empresas em áreas tão diferentes como a medicina tradicional até ao sector automóvel, com várias variantes pelo meio.
A determinada altura deste meu percurso, dirigi duas revistas especializadas na área da informática, de que sinceramente ainda percebia menos do que de motores, mas a vida é assim e só temos de nos adaptar ao tipo de trabalho que nos dão. E aprender.
Foi o que fiz, sobretudo aprendendo espanhol para decifrar as novidades que chegam sempre primeiro àquele país. Nunca me esquecerei da luta que foi perceber o que era «un raton enchufado» num artigo do país vizinho…
Nessa área, e na altura, contávamos com várias agências de comunicação, que nos passavam tudo, como eu costumava dizer, «mastigadinho».Era a função destes meios para divulgarem os produtos dos seus clientes.
A tal ponto isso chegou que quando voltei a uma área diferente, como o é o jornalismo regional, praticamente tive de aprender a escrever novamente a notícia como ela deve ser feita.
Não estou, de modo nenhum, a criticar estes meios, porque cumprem com a sua função, a de divulgar para todos os meios possíveis as notícias dos seus clientes.
Essas mesmas agências convidavam os jornalistas para diversas iniciativas, fossem pequenos-almoços de trabalho, conferências de apresentação, briefings, enfim, o que lhe queiram chamar.
E no final, raramente eram os que não nos entregavam uma pequena lembrança, que nos tempos das «vacas gordas» chegavam mesmo a ser um modelo do telemóvel apresentado ou até um prato assinado por Paula Rêgo (acreditem, tive um mas como não é artista que aprecie, ofereci-o a um colega).
As «ofertas» eram de tal ordem, que alguns jornais nacionais obrigaram os seus jornalistas a assinarem um termo em que se recusavam a receber fosse que prenda fosse. (Um pouco à semelhança do que o ministério da Saúde quer obrigar os médicos a fazer, se bem que também já tendo trabalhado nessa área, não percebo se isso se limita aos possíveis ovos e galinhas com que os doentes passem a pagar a consulta ou também às prendas que são dadas aos participantes de congressos, mas este não é o tema do meu texto).
Como é óbvio, se um jornalista vai numa semana a três apresentações de três telemóveis de três empresas, e duas destas lhe dão um exemplar desses telemóveis, não acham evidente que mesmo, mesmo subliminarmente, os artigos vão sair um bocadinho diferentes?
Claro que o leitor não perceberia isso à primeira vista mas a marca (e as concorrentes) iriam de imediato perceber que algo se passava.
Código Deontológico e de ética? Sim, para aqueles que sabem o que isso é.
E isto pode aplicar-se a muitos aspectos da área do jornalismo.
Mas claro que, como diz o ditado português, «há muitas maneiras de matar moscas» e nem todas são tão directas como o spray insecticida. E essa mesma “pressão” pode ser exercida de muitos modos: palmadinhas nas costas, promessas de futuros apoios, homenagens, enfim, um manancial para quem saiba jogar as suas cartas.
Mas por vezes é preciso não esquecer uma das regras da vida muito importante: não há almoços grátis.

Ps: artigo de opinião publicado no Diário do Distrito.

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