Esta altura do ano é um bocado complicada para mim, não só porque como gorda que sou me é difícil suportar o calor, mas também porque foi por esta altura que perdi uma amiga para um monstro.
Já me têm perguntado porque uso o cabelo tão curto. Para além de ser prático e de gostar, em especial nesta altura do ano, é também por memória a uma pessoa, que partiu vitima desse monstro que se chama cancro.
Há uns anos atrás, depois de lhe ter sido diagnosticado o cancro da mama, começou a quimio e um dia quando secava o cabelo com o secador, este começou a cair-lhe, ou como ela descreveu, «a voar ao vento». Decidiu cortar o que até aí era uma farta cabeleira. E eu apostei com ela que não seria a única careca no grupo e vá daí cortei o meu a pente um. Não vou dizer que foi um sacrifício, porque adorei.
O pior é isto aconteceu no ano em que os cabeças-rapadas mataram um rapaz no Bairro Alto e, eu com este delicado físico e cabeça quase rapada, tá-se mesmo a ver o sucesso que fiz... foi o Verão todo de boné e chapéu.
O cabelo cresceu, a luta contra o cancro da mama parecia vencida, embora outras lutas viessem a caminho, nomeadamente com um Ministério da Educação que não percebia as suas dificuldades e limitações para poder continuar a dar aulas, a paixão da sua vida.
Há três anos, o monstro voltou, com outra cara, desta feita no fígado, e ela perdeu a luta.
Perdeu? Não, por isso mesmo quis ser cremada, porque dizia que se não vencia a doença em vida, não a ia deixar continuar a vencer na morte.
Esta semana, faleceu uma tia minha às mãos do mesmo monstro.
Em Março, uma outra tia, irmã do meu pai, depois de sofrimento atroz.
Pela televisão, há uns anos atrás, a minha mãe descobriu que uma das suas irmãs padecia do mesmo mal. Não imaginam o que é estar a ver uma reportagem sobre cancro no IPO e ver a irmã deitada numa das camas... tia que também já partiu.
Perante isto tudo, poderíamos dizer que é o destino. Mas como sou uma inconformista, não aceito isso. Não aceito que no século XXI não se descubram mais tratamentos para o cancro, que este monstro ainda seja uma das principais causas de morte, em especial nas pessoas que nada fizeram para serem assim atacadas.
Quando trabalhei na área redactorial de medicina geral, ouvia alguns comentários de que se até hoje não existe cura para o cancro, isso se deve ao lobby dos laboratórios, que ganham milhares com tratamentos e não apostam na investigação preventiva.
Não queria acreditar, mas garanto que é uma tese que tem o seu quê de verdadeiro. E não posso deixar de ranger os dentes quando sei de mais alguma vítima do monstro.
Post Scriptum: Hoje deu-me para o sentimento, mas há dias assim, em que achamos que, por vezes, a vida não passa mesmo de uma luta inglória. E que o melhor é tirar mesmo o melhor partido do que temos.
5 comentários:
Ler o teu desabafo fez-me recordar que também este mês (e já lá vão quase 50 anos) fiquei aos 9 anos de idade sem mãe, atacada pelo tal monstro.
Se há meio século atrás ainda se estava no início do combate, não se compreende que ainda hoje o monstro continue a pavonear-se à solta por, sem que haja um exército bem apetrechado que o dizime de vez.
Aqui te deixo a minha solidariedade e o desejo de que nunca te falte o ânimo para ultrapassares estes pontapés que a vida nos dá, porque das outras pancadas sei que estás preparada para suportar e devolver se preciso for.
A vida é feita de dor, logo à nascença, e de luta para sobreviver à dor que esta vida é, para a maioria, claro...porque para o(a)s poderoso(a)s deste mundo nunca a dor lhes chega ao tutano pois realizam o parto sem dor, como agora está na moda a "la carte" e mesmo quando morrem não levam "dor" alguma na"bagagem".
Obrigado a ambos os comentadores. É nestas alturas que vemos realmente que a vida é demasiado preciosa para se perder em coisas mesquinhas. E que devemos sempre estimar o tempo com quem amamos.
E sim, caro CV, não foi à toa que pratiquei cinco anos de bodycombat, ehehehe
Acabo de descobrir o seu blogue e de ler, entre outros, este texto, não podendo passá-lo sem deixar um comentário meu, imaginando que fique surpreendida da minha opinião.
Entristece-me sempre ler, ouvir e ver artigos sobre o "monstro" de nome cancro. Acima de tudo, este monstro não é invencível nem tão pouco superior às nossas forças vitais que, juntas com boa-disposição, chegam (mesmo à cunha) para vencer a dita doença.
Às vezes, aqueles que nos rodeiam até sofrem mais, de um modo diferente, embora passivo.
Temos é de superar a tristeza e melancolia pela alegria, pois é o que um doente de cancro mais precisa, mesmo que esteja a um passo de perder a batalha.
Hoje, depois de vencer o cancro, olho para trás com olhos de viver e sei bem dar o valor àquilo que só quem tem pode dar.
Beijinhos.
Mário Barradas
Caro Mário Barradas, estou completamente arrepiada com o seu comentário, que muito agradeço.
Acho que é mesmo isso, temos de viver sempre a vida pelo lado positivo, pela alegria.
E já agora, parabéns pela sua vitória contra o cancro. É que a medicina pode muito, mas a forma como se encara a doença em termos pessoais é, talvez, a melhor forma de cura.
Beijinhos
Carmo
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