quarta-feira, 22 de junho de 2011

«As serviçais»

Há livros assim. Em que ao lermos a primeira linha, sabemos que nos vão conquistar, que vamos desejar poder ler até ao fim, de um só fôlego.
Há livros que nos marcam.
Sou uma devoradora de livros, acho que já o disse.
Não sei o que faria sem a Biblioteca Municipal do Seixal. Desde o tempo em que era uma sala ampla, junto à estação dos CTT do Seixal, onde fui descobrindo e desenvolvendo paixões mais ou menos duradouras por autores como Zola, Chandler, Camilo, Saramago, Eça (essa uma paixão eterna), e até Anne Ricce (ok, também tive a minha fase de caninos afiados, mas agora não posso nem ouvir falar em dentadas), e muitos, muitos outros.
Já aqui apresentei tiras de BD, outra das paixões que a Biblioteca me ajuda a manter.
Há algo de único ao dirigir-me à secção das novidades e espreitar, tentar adivinhar o que cada capa esconde. Umas vezes desilusões, que não passam dos primeiros capítulos, porque não perco tempo em ler até ao fim alguma coisa que não me interesse, outras a descoberta de livros fantásticos e outros como este, que considero um autêntico «murro no estômago».
«As Serviçais», de Katheryn Stockett é, como o resumo de capa diz, uma história inesquecível. Mas mais do que as histórias individuais de cada uma das três personagens principais, o que choca neste livro é a História que o mesmo nos conta, de um país onde a escravatura acabou no papel, mas que vive em plena segregação racial, antes da grande marcha promovida por Marthin Luther King, antes do «I have a dream!», quando era ilegal o casamento entre raças, que as mulheres brancas prestassem serviço como enfermeiras nas salas de homens negros, e estes não podiam ser enterrados nos cemitérios de brancos.
Um excerto:
«A mãe agarrou-me pelos ombros para olhar para ela: “Há regras para quando trabalhares com as senhoras brancas. Nunca deixes que a Senhora branca te encontre sentada na casa de banho dela. Não importa que estejas tão aflita que já te sai pelas tranças, se não houver uma casa de banho para negros, usa uma que ela não use.”
Aliás, ironicamente, a maior parte da história decorre em redor das casas de banho, de uma campanha que uma senhora branca do Mississípi leva a cabo para que todas as casas tenham banheiros separados, «para evitar doenças», e até na causa de um ataque brutal a um jovem: «Dizem que usou a casa de banho dos brancos na Pincham & Garden. Dizem que não havia nenhuma tabuleta. Mas dois brancos perseguiram-no e bateram-lhe com uma roda de ferro.»
Já li muita coisa na minha vida, já vi muito também, mas este livro está (porque ainda o estou a ler, mas não resisto a partilhá-lo), está a “mexer comigo”, embora não seja ignorante acerca do tema.
Recomendo-o vivamente, porque infelizmente, mais de cinquenta anos depois da história aqui contada, ainda muito dela está actual.

5 comentários:

Wundmal disse...

A biblioteca do Seixal foi para mim uma agradável surpresa. É um espaço muito agradável e lamento que não disponha de mais tempo para lá levar os meus filhos mais amiúde. Queria que o bichinho da leitura se instalasse, que conseguisse contagiá-los, pois é difícil desviá-los de um mundo cada vez mais da era digital. Eu sempre devorei livros (ultimamente tenho andado com um pouco de fome...) e nunca tive medo dos chamados livros grossos, pois cresci a ler a vasta e riquíssima literatura infantil alemã. Nós não temos essa tradição e tenho uma pena imensa de não encontrar traduções. Talvez ainda terei que fazer algo a esse respeito... E obrigada pela sugestão de leitura!

Maria do Carmo disse...

É verdade, a nossa biblioteca é fantástica... basta entrar lá para me sentir num mundo à parte, num mundo maravilhoso onde posso descobrir tudo e mais alguma coisa.
Há uns tempos levei lá o meu afilhado de sete anos e ele também adorou, nem quis para a secção infantil, queria era ver as encadernações dos livros mais antigos.
São momentos deliciosos para partilhar.
Boa sorte para as traduções!

Glória Maria - Fadinha disse...

Olá Maria do Carmo, estou querendo ler esse livro há muito tempo, mas infelizmente ainda não foi editado no Brasil. Bjs

Maria do Carmo disse...

Olá Fadinha,
É pena, realmente, porque o livro é fantástico e faz-nos repensar muita coisa, mesmo em relação ao racismo em si, e sobretudo em relação a uma cultura que se diz das mais livres do mundo...
Um abraço, e depois diga se ele já foi editado por aí. Jkas

Glória Maria - Fadinha disse...

Olá querida, morro de inveja de vocês, fico passeando no blog de vocês e fico desejando milhões de livros que não foram editados no Brasil. Preciso ir a Portugal comprar uns livrinhos, mas é preciso atravessar esse mar imenso e eu não gosto nem um pouco de aviões. Só me resta esperar. Beijinhos da Glória