Há um «queixinhas» em todas as escolas de segunda porque nas de primeira como ninguém lhes liga eles desistem e têm de fazer qualquer coisa seja o que for para as pessoas darem por eles sim porque o que eles querem é dar nas vistas dos professores seja como for porque a natureza que é uma coisa que há à volta da gente nem sempre ara não dizer quase nunca ajuda os Queixinhas à nascença pois o que eu estou a dizer é que nós na minha escola temos um «queixinhas» que deve ser dos melhores que há porque este é que é dos tais que se não fosse «queixinhas» não era mesmo mais nada mas é que mesmo mais nada porque não sabe nada de ciências nem de literatura nem de matemática nem de desenho nem de línguas sim porque nisso de línguas só sabe dizer oui oui oui e mesmo quando diz non a uns é porque está a dizer oui a outros e de historia só sabe umas quantas coisitas que lhe convém saber ou que julga que lhe convém saber e como é surdo não ouve a história a acontecer à volta dele e vai para ver se alguém vê que ele existe principalmente os professores sim porque este nosso «queixinhas» é dos tais que só fala para os professores o ouvirem porque os professores são os únicos que não largam a rir às gargalhadas porque precisam de manteiga como a gente não precisa está-se nas tintas para os ecos dos defuntos e ele não passa dum defunto que só ainda não foi enterrado de vez porque lá na aula temos tudo menos cangalheiros pois este nosso «queixinhas» tem duas coisas que ninguém mais tem uma é que parece um sapo cheio de peçonha e outra é que os professores lá porque ainda ninguém percebeu de vez em quando pegam nele e deixam-no sapar para quem não conhece a língua dos animais explicamos que sapar é falar a língua de sapo pois deixam-no sapar se calhar porque julgam que a gente ouve o que ele diz quando a verdade é que a gente quando ele sapa com aquela cara de sapo que a natureza lhe deu para ir bem como o que ele tem em vez de miolos desliga que é o mesmo que dizer que se põe a jogar à batalha naval ou ao galo mas enfim os professores põem o sapo a falar e ele fala o que é o mesmo que dizer que está calado porque uma coisa é falar e outra é fazer barulho com a boca pois este «queixinhas sapo» que nós temos lá na aula como nunca fez nada que valesse a pena a gente ver para se tornar notado inventa escândalos contra este ou contra aquele e fica todo contente ao ver que os professores castigam aqueles contra quem fez queixa coitadito não se lhe pode levar a mal porque se não fizesse estas coisas não fazia mesmo nada porque não é capaz de fazer nada coitadito que é muito fiel à cara e aos miolitos de sapo que a natureza lhe deu mas quando faz estas coisitas de sapo fica todo contente o que até é justo sim porque se os sapos não fazem coisas de sapo que diabo é que eles hão-de fazer? pois este nosso «queixinhas sapo» coitadito para dar nas vistas dos cegos e digo isto porque os outros nem olham para ele tem de inventar escândalos e anda todo o dia com os olhitos de sapo muito abertos a ver se arranja uma coisita qualquer que ele possa aldrabar para caçar o olho aos professores a não ser quando trabalha de encomenda que é quando o professor de literatice mas que a gente não sabe se encomenda alguma aldrabicesita contra este ou aquele e vai ele coitadito satisfaz a encomendazita para ganhar a vidita de sapo pois este é bestial nisso de inventar queixitas para dar nas vistas dos ceguinhos uma técnica que ele usa muto é andar a ver o que a gente escreve nas paredes sim porque cá na nossa escola ou se escreve nas paredes ou não se escreve em parte nenhuma por exemplo a gente por exemplo quer escrever numa parede vai logo dizer aos professores que a gente ia escrever ABAIXO O PROFESSOR DE MATEMÁTICA a gente por exemplo quer escrever numa parede que os burros se aproveitam das aulas para dizer burrices e ele vai dizer aos professores que a gente está a achincalhar as aulas enfim coitadito ninguém se pode espantar porque o que seria de espantar seria que ele não saísse à natureza e dissesse coisas inteligentes mas isso coitadito teria de pedir a inteligência emprestada aos amigos e ficava tão mal servido como se usasse a dele o que é engraçado é que ele coitadito não percebe que toda a gente se ri dele e continua com as suas «queixinhas» a dar vontade de rir a toda a gente mas a vida é o que é nestas escolas de segunda e não há nada a fazer o que vale é que a gente com estas queixitas todas vai para o céu olá se vai porque nestas coisas eu acredito numa justiça divina e assim como nestas escolas de segunda são um céu para os burros.
Luís Sttau Monteiro
«Crónicas da Guidinha» in «A Mosca», 16 de Dezembro 1972.
2 comentários:
Passados quase 40 anos, como está tão actual esta crónica da "guidinha".
Vai publicando mais para que possamos entender que afinal só mudaram as moscas.
Nem mais...
Luís Sttau Monteiro como Eça de Queiroz percebiam bem a mentalidadezinha portuguesa.
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