Sempre me espantou uma “habilidade” do meu pai.
Em minha casa adoramos torradas de pão alentejano, fatias grandes e grossas, torradas sobre uma chapa no fogão (digam o que disserem, não há torradeira que consiga dar tal gosto).
E a habilidade do Torres consistia em colocar um pouquinho de manteiga na ponta de uma faca pontiaguda, e com esse pouquinho de manteiga conseguia cobrir por completo a tal grossa e grande fatia de pão.
Eu e a minha irmã, mais gulosas, enchíamos o pão de manteiga, mas parecia que nunca conseguíamos chegar áquele cantinho ou áquela pontinha. E sentíamos um pouco de inveja porque a torrada do meu pai reluzia, completamente barrada com manteiga.
Anos mais tarde, percebi que foram as dificuldades económicas por que passara em criança e jovem que lhe ensinaram esse "truque".
Vem isto a propósito de hoje ter tido oportunidade de folhear com uma amiga fotos de outros tempos (do casamento dos meus pais, propriamente) e ela dizer que «eram outros tempos, e as pessoas tinham pouco, mas eram felizes».
É verdade. E agora, perto que estou dos meus quarenta anos, vejo isso.
Eram outros tempos, em que a recepção de um casamento era feita em casa, quando muito com o bolo encomendado numa pastelaria e os vestidos e fatos feitos na modista, mas todos podiam fazer a sua festa e receber amigos e familiares, sem se endividarem até aos cabelos.
Eram os tempos em que uma ida ao cinema era uma festa, uma noite num restaurante acontecia uma vez por ano, e o Natal era verdadeiramente Natal (um bocado da massa de filhoses para brincar fazia-nos muito felizes na noite de Consoada) e os vizinhos trocavam entre si pratos dos doces de Natal.
Nessa altura, quer fosse por força das circunstâncias ou da lei, as pessoas ficavam juntas, nos bons e nos maus momentos.
Agora vemos crianças que só exigem dos pais, casais que à primeira discussão se divorciam, pessoas que só trabalham para ter o último modelo de telemóvel.
Estamos melhor? Não sei.
O que sei é que aquela torrada completamente barrada apenas com um poucochinho de manteiga me metia inveja perante a minha, com montes desta mas com muitos “buracos” no pão (e que agora resultou numa pedra na vesícula...).
P.S. – E com este discurso da austeridade e do pobrezinho não quer dizer que sou a favor do tal PEC 2 ou 3 ou o raio que os parta. O que eu diria aos seus autores é onde é que o podiam enfiar... e o recado era o mesmo para quem vai abster-se e para os restantes que, apesar de todas as campanhas políticas, ainda não conseguiram, em trinta e seis anos, libertar Portugal do mesmo «chove e molha».
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